Brincadeira de criança
Brincadeira de criança
“Come tudo ou não vai ter sobremesa!”; “Se não raspar o prato pode esquecer o vídeo-game!”; “Não vai comer, é? Péra aí que eu vou pegar o chinelo e a gente vai ver quem não vai comer!” É difícil imaginar que alguém se sinta alegre ao ouvir que o almoço está servido quando frases assim figuram nas refeições. Se seu filho já fez a relação “hora de comer = tortura chinesa” talvez seja o momento de se perguntar se a estratégia de transformar a mesa num campo de batalhas tem surtido o efeito desejado.
Não que não haja motivos para se perder a paciência nessa hora. Não existe coisa mais irritante do que passar horas na cozinha preparando algo saudável para a família e ouvir um caloroso: “Blergtt!! Que nojo!!Eu não vou comer isso daí!!”. Confesso que como cozinheira, embora a crítica feroz faça parte da formação, reações como essa me fazem pensar em novos usos para o rolo de macarrão. Mas meu lado pedagoga acaba falando mais alto, lembrando ao lado cozinheira de que existem algumas armas para se usar na educação do paladar mais efetivas, menos traumáticas e não proibidas, nem pelo Estatuto da Criança e nem pela Vigilância Sanitária.
Gritar, ameaçar, colocar de castigo acabam surtindo o efeito contrário ao longo do tempo. Além de vincar essa conexão entre hora da refeição e tortura, ainda reforça a ideia de que os bons alimentos são tão ruins que só na base do chicote pra serem consumidos, enquanto as porcarias são o prêmio (“se comer tudo, ganha sobremesa”; “se se comportar bem, te dou uma bala”…).
Mas então, o que fazer? Levar a criança de 3 anos num congresso na Faculdade de Medicina sobre as consequências da alimentação inadequada para o desenvolvimento do neo-córtex e na formação de sinapses? Ou deixa-la se empanturrar de porcarias e não tocar nos legumes infância afora, esperando o momento em que ela vá ao tal congresso quando estiver cursando Medicina?
Como diria o velho Buda, o caminho do meio é sempre a melhor opção. E por que não usar a linguagem mais antiga e mais universal do mundo da criança? Mais nova que o Buda, mas velha o suficiente para ter sido bastante treinada, a brincadeira é certamente o caminho mais curto entre seu filho e o prato de brócolis.
Dia desses minha caçula Aline, de 5 anos, estava num dia de “não” (aqueles em que não importa o que você faça, a criança não vai gostar, não vai fazer, não vai ficar feliz e ponto final!). “Não vou comer, não quero!”. Apesar da vontade de chutar o balde, respirei fundo: “Nossa, Aline, acho que eu vi um cachorrinho passando por aqui, e acho que ele tá com fome… Cuidado que ele pode comer sua comida! Aliás, o prato tá com menos comida, você não reparou?” Fingi que estava distraída e quando ela deu uma micro garfada, falei: “Olha! Sumiu mais um pouco! Ele comeu de novo! Ah, se eu pego esse cachorro…” A cada garfada “escondida”, mãe e filha se divertiam em ver o prato ficando vazio, até que o “cachorrinho” tivesse comido tudo.
Não estou dizendo que você vai ter que virar uma animadora de auditório para todo o sempre. Mas que, certamente, quanto mais leve for a relação da família com o horário da refeição, mais tranquilo será fazer seu filho virar um devorador de brócolis apaixonado por beterraba (e por cachorrinhos, por que não?).