Satisfaction

Roqueira convicta que sou, fica difícil não passar vergonha no trânsito quando ouço o Mick Jager cantar seu clássico refrão “I can get no satisfaction” no rádio do carro. Adoro cantar e dançar (e assustar os motoristas em volta), e meus pequenos punks no banco de trás me ajudam a não passar vergonha sozinha.
Às vezes esse me parece um refrão bem adequado para essa geração dos meus filhos. Volta e meia tenho a sensação que, não importa o que eu faça para agradar, não consigo sentir que estão satisfeitos. Talvez um pouco de insatisfação seja inevitável, e até importante para desenvolver um certo nível de resiliência. Mas percebo em muitas crianças dessa geração um grande buraco negro interno, ávido por preencher algo que parece cada vez mais esvaziado, e que vai ficando maior na exata proporção em que os pais, desesperados, dão tudo o que a criança pensa ser irremediavelmente imprescindível. Falo, não só de mais um brinquedo novo, ou de mais 15 minutos de parquinho, ou de “só mais esse (desenho na tv, joguinho eletrônico, minutinho no banho…), mamãe, por favorzinho!”, mas falo também da comida.
Como pais, o instinto básico de ver nossas crias felizes fala mais alto do que tudo. Mas quando cedemos àquela carinha de gatinho do Shreck dizendo “só mais essa balinha, por favorzinho!”, deixamos a matemática de lado, e esquecemos a quantidade de açúcar a que estamos sujeitando seus corpos ainda em formação. Nenhum ser humano precisa de açúcar refinado na sua dieta, por isso não há quantidade mínima recomendada, mas máxima há, e são míseros 12 gramas por criança por dia. Em apenas um suco de caixinha, daqueles que vão na lancheira de muitas crianças todos os dias, essa quantidade já foi ultrapassada. Com o limite diário sendo batido pouco depois de terem levantado da cama, as horas vão se desenrolando em meio a cereais açucarados, bolachas recheadas e balinhas de goma. E à noite o saldo são pequenos organismos cansados tentando lidar com uma enxurrada de açúcar, além de toda a gordura, o sódio e zilhões de aditivos químicos.
Cada vez que seu filho ingere um alimento açucarado ocorre um pico de glicose no sangue, o que leva à necessidade de o organismo produzir insulina para regular esse desequilíbrio, criando uma queda brusca nos níveis de açúcar no sangue. Com isso, o corpo sente necessidade de ingerir mais açúcar para aumentar o nível de glicose, o que vai gerar um novo pico, uma nova queda, e assim sucessivamente. As crianças hoje estão tão presas nesta montanha russa dos picos e quedas sucessivos que o que antes era conhecido como doença de velho (diabetes senil, como era chamado o diabetes tipo 2 antigamente) tem aparecido em crianças de 9, 10 anos. Isso porque, quando os pais cansam muito cedo de lutar contra os pedidos constantes por mais açúcar vindos dos pequenos, logo o corpo da criança também ”cansa” de produzir tanta insulina o tempo todo, criando a tal da resistência. E não dá pra colocar na conta da educação todas as crises de birra, porque o humor e a energia de quem consome muito açúcar são, por conta desse sobe e desce constante, muito instáveis.
Optar por ceder à irrefreável necessidade dos filhos por mais e mais açúcar (ou gordura, ou brinquedos, ou mais tempo no vídeo-game…) pode custar caro para a conta da saúde, e também da conta da educação. Limites são tão importantes que alguns já vem de fábrica para o ser humano, desde a falta de autonomia da infância até às crescentes incapacitações da velhice, passando pelo limite do nosso tempo de existência (afinal, sem o limite da morte nossas vidas não seriam tão bem aproveitadas…). É certo que apontar esses limites são a parte mais difícil e desgastante da relação pais e filhos. Mas esse sacrifício de aguentar a pressão das crianças é uma prova de amor muito maior do que trazer surpresinhas açucaradas no fim do dia. Afinal, atender ao que os filhos querem pode deixa-los felizes por alguns minutos, mas atender ao que eles precisam é o que faz pessoas felizes vida afora.